Desmistificar a “dor nas costas”/ Demystifying "back pain"
Desmistificar a “dor nas costas"
Ao ler a entrevista do Peter O’Sullivan e colegas (1), pensei escrever este texto que resume os argumentos dos autores. Peter O’Sullivan, PhD, é talvez a figura mais relevante na área da do movimento e terapia manual no que diz respeito ao estudo da dor lombar crónica. A dor lombar, ou lombalgia, continua a ser a causa mais frequente de procura em osteopatia. 7/8 em 10, pelo menos na minha experiência. Apesar de haver eficácia no tratamento manipulativo, talvez pela modulação da dor e do efeito do toque (2), também é verdade que o movimento, a melhoria de qualidade de vida incluindo o sono e a desmistificação da lombalgia são sem margem de dúvida os fatores que vão conduzir a alterações e benefícios mais prolongados. Paradoxalmente, em clínica, continua a dar-se relevo à “má e boa” postura e a conselhos que no limite podem ter um efeito nocebo e criarem crenças limitadoras que não são compatíveis com a progressão e evolução do fenómeno de lombalgia ou com a recuperação do paciente.
Vejamos os argumentos:
☑️A lombalgia é um problema de saúde global significativo (3) e pode ser persistente, incapacitante e angustiante para alguns indivíduos. A maioria das pessoas tem lombalgia pelo menos uma vez na vida, sendo mais comuns nos adultos. A crença de que uma "boa" postura é essencial para prevenir e tratar as dores de costas é amplamente difundida, mas carece de provas científicas sólidas. A "boa" postura implica normalmente sentar-se direito, manter-se de pé e alinhado e levantar pesos com as costas direitas e com uma técnica de “agachamento”, ao passo que as "más" posturas, como a postura desleixada ou descaída, são desaconselhadas (4). Apesar desta crença comum, as revisões sistemáticas e os estudos de investigação demonstraram fortes limitações em sustentar uma relação entre a postura e a lombalgia (5). Estudos recentes mostram que as pessoas com "boas" e "más" posturas podem sentir dores nas costas e que nenhuma postura isolada as protege contra essas dores (6).
☑️A postura é altamente individual, uma vez que a coluna vertebral das pessoas tem formas e tamanhos diferentes. As lombalgias estão frequentemente associadas a uma sensibilização das estruturas da coluna e não a uma lesão ou patologia identificável dos tecidos (7). Para a maioria (90%) dos indivíduos com dores nas costas, o desconforto está relacionado com factores como movimentos desadequados, cargas súbitas ou pesadas e actividades pouco habituais.
☑️Os factores psicológicos e de estilo de vida podem influenciar a dor nas costas, sendo que o stress, a fadiga, a falta de sono e a inatividade tornam os indivíduos mais vulneráveis a sentir ou a perpetuar a dor nas costas (8,9).
☑️Para gerir eficazmente as lombalgias, devemos centrarmo-nos: no movimento; na adoção de posturas confortáveis e variadas; na prática regular de atividade física; na manutenção de um estilo de vida saudável; na procura de profissionais de saúde qualificados e atualizados. Em resumo, cuidar da saúde física e mental geral são aspectos essenciais para gerir eficazmente a lombalgia (10).
É crucial proporcionarmos uma informação adequada ao paciente, utilizando uma linguagem simples, porém atualizada. Desta forma, contribuímos para que a pessoa que sofre de dor lombar fique esclarecida, desmistificado o "medo", evitando crenças limitantes e o efeito nocebo. Esta abordagem é um excelente exemplo de intervenção holística, onde informamos o paciente sobre a importância da relação da dor lombar com diversos aspectos, como a qualidade do sono, a nutrição, o movimento ativo, o exercício físico, a compreensão do problema, a confiança no profissional de saúde e os efeitos da terapia manual.
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English version:
Demystifying "back pain"
Reading the interview with Peter O'Sullivan and colleagues (1), I thought I would write this text summarising the authors' arguments. Peter O'Sullivan, PhD, is perhaps the most relevant figure in the field of movement and manual therapy with regard to the study of chronic low back pain. Low back pain, or lumbago, remains the most common cause of osteopathic demand. 7/8 out of 10, at least in my experience. Although manipulative treatment is effective, perhaps due to pain modulation and the effect of touch (2), it is also true that movement, improvement in quality of life including sleep, and demystification of low back pain are undoubtedly the factors that will lead to more prolonged changes and benefits. Paradoxically, in clinical practice, there is still a focus on "bad and good" posture and advice that can ultimately have a nocebo effect and create limiting beliefs that are not compatible with the progression and evolution of the low back pain phenomenon or with the patient's recovery.
Let's look at the arguments:
Low back pain is a significant global health problem (3) and can be persistent, disabling and distressing for some individuals. Most people experience low back pain at least once in their lifetime, and it is more common in adults. The belief that 'good' posture is essential to prevent and treat back pain is widely held but lacks solid scientific evidence. 'Good' posture usually involves sitting up straight, standing up straight and lifting weights with a straight back and a 'squatting' technique, whereas 'bad' postures, such as slouching or slouching, are advised against (4). Despite this common belief, systematic reviews and research studies have shown strong limitations in supporting a relationship between posture and low back pain (5). Recent studies show that people with both 'good' and 'bad' postures can experience back pain and that no single posture protects against it (6).
Posture is highly individual, as people's spines come in different shapes and sizes. Low back pain is often associated with sensitisation of spinal structures rather than an identifiable tissue injury or pathology (7). For the majority (90%) of individuals with back pain, discomfort is related to factors such as inappropriate movement, sudden or heavy loads and unusual activities.
Psychological and lifestyle factors can influence back pain, with stress, low mood, fatigue, lack of sleep and inactivity making individuals more vulnerable to experiencing or perpetuating back pain (8,9).
To manage low back pain effectively, we should focus on: movement, comfortable and varied postures, regular physical activity, maintaining a healthy lifestyle and seeking out qualified and up-to-date healthcare professionals. To summarise, staying fit and strong for daily tasks and taking care of general physical and mental health are essential aspects of effectively managing low back pain (10).
It is crucial that we provide adequate information to the patient, using simple but up-to-date language. In this way, we contribute to the person suffering from low back pain acquiring an enlightened, demystified knowledge, avoiding limiting beliefs and the nocebo effect. This approach is an excellent example of holistic intervention, where we inform the patient about the importance of the relationship of low back pain with various aspects, such as sleep quality, nutrition, active movement, physical exercise, understanding the problem, trust in the health professional and the effects of manual therapy.
(2) Franke H, Franke JD, Fryer G. Osteopathic manipulative treatment for nonspecific low back pain: a systematic review and meta-analysis. BMC Musculoskelet Disord. 2014 Aug 30;15:286. doi: 10.1186/1471-2474-15-286. PMID: 25175885; PMCID: PMC4159549.GBD 2021
(3) Low Back Pain Collaborators. Global, regional, and national burden of low back pain, 1990-2020, its attributable risk factors, and projections to 2050: a systematic analysis of the Global Burden of Disease Study 2021. Lancet Rheumatol 2023: 5: e316-29.
(4) O'Sullivan K, O'Keeffe M, O'Sullivan L, O'Sullivan P, Dankaerts W. Perceptions of sitting posture among members of the community, both with and without non-specific chronic low back pain. Man Ther. 2013 Dec;18(6):551-6. doi: 10.1016/j.math.2013.05.013.
(5) Saraceni N, Campbell A, Kent P, Ng L, Straker L, O'Sullivan P. Exploring lumbar and lower limb kinematics and kinetics for evidence that lifting technique is associated with LBP. PLoS One. 2021 Jul 21;16(7):e0254241. doi: 10.1371/journal.pone.0254241. PMID: 34288926; PMCID: PMC8294511.Epub 2013 Jun 25. PMID: 23806489.Slater D, Korakakis V, O'Sullivan P, Nolan D,
(6) O'Sullivan K. "Sit Up Straight": Time to Re-evaluate. J Orthop Sports Phys Ther. 2019 Aug;49(8):562-564. doi: 10.2519/jospt.2019.0610. PMID: 31366294.
(7) Maher C, Underwood M, Buchbinder R. Non-specific low back pain. Lancet. 2017 Feb 18;389(10070):736-747. doi: 10.1016/S0140-6736(16)30970-9. Epub 2016 Oct 11. PMID: 27745712.
(8) Mitchell T, O'Sullivan PB, Burnett A, Straker L, Smith A, Thornton J, Rudd CJ. Identification of modifiable personal factors that predict new-onset low back pain: a prospective study of female nursing students. Clin J Pain. 2010 May;26(4):275-83. doi: 10.1097/AJP.0b013e3181cd16e1. PMID: 20393261.
(9) Picavet HS, Vlaeyen JW, Schouten JS. Pain catastrophizing and kinesiophobia: predictors of chronic low back pain. Am J Epidemiol. 2002 Dec 1;156(11):1028-34. doi: 10.1093/aje/kwf136. PMID: 12446259.
(10) O'Sullivan PB, Caneiro JP, O'Sullivan K, Lin I, Bunzli S, Wernli K, O'Keeffe M. Back to basics: 10 facts every person should know about back pain. Br J Sports Med. 2020 Jun;54(12):698-699. doi: 10.1136/bjsports-2019-101611. Epub 2019 Dec 31. PMID: 31892534.